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sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Comfortable

Ouça Comfortable - John Mayer

          Dentre todas as palavras que eu já lhe disse, e todas aquelas que estão passando na minha cabeça agora, enquanto encaro uma foto sua, não há uma sequer que traduza o quanto eu sinto sua falta. Sentir falta da tua presença por completo. Do teu corpo, cheiro, risada e, principalmente, do teu amor. Sentir falta de ser mais contigo, e por ti. Sentir falta do teu carinho que sempre recuperava minhas forças, mesmo quando eu tinha dias infernais. Mesmo quando você só me ligava pra dizer que tava com saudade. Mesmo quando você só escrevia alguma coisa e me envia por mensagem. Eu sorria sempre e pensava que eu tinha a melhor mulher do mundo. Eu tinha.
          Não sei quanto tempo faz desde que eu desisti de nós. Não sei a quantas festas eu fui e nem quantas mulheres eu beijei. Posso arriscar dizer que muitas delas eram lindas, mas tenho certeza que nenhuma delas me beijou como você. Nem uma delas tinha o cheiro doce do teu pescoço ou tinha o cabelo mais bonito que o teu. Dentre todas as mulheres que tive sobre a minha cama, sei que só pra você eu emprestaria aquela minha camisa favorita. Só pra ver você dormir mais a vontade do meu lado. Sei que só seria você a conhecer a minha mãe e a ser apresentada para a minha avó.
          E todos os sonhos que sonhamos juntos; e todos os beijos que calaram teus gemidos; e todas as noites que você dormiu aninhada nos meus braços. Eu perdi tudo isso. Vou ao mercado sozinho e encho a geladeira de comida congelada e cervejas. Se você estivesse aqui diria que não queria namorar em cara com barriga de cerveja com o colesterol elevado. Diria melhor. Diria que não queria esse exemplo de vida nada saudável para os seus filhos. Marina e Bernardo deveriam ter seus olhos e seu sorriso. E seu gosto por literatura e sua desenvoltura na pista de dança. E a Marina deveria cheirar tão bem quanto você e o Bernardo deveria se apaixonar por uma mulher como você. Daquelas que fazem a gente querer virar príncipe só pra combinar melhor com a dama que ela é.
          Nosso amor era confortável e à vontade. Você era o centro do mundo e eu rodaria todo ele se precisasse para alcançar você. Não existe nenhuma mulher deitada na minha cama hoje. Não há nenhuma garrafa de cerveja aberta. A geladeira está cheia de frutas e de comida de verdade. Enchi o armário de barrinhas de cereal e de coisas de gente saudável. Eu me enchi de esperanças de que hoje você voltasse. Por que eu já contei os meses que você se foi e foram muitos. E eu perdi a conta nos dedos das mãos e comecei a contar com os dedos do pé. E nenhum deles conseguiu me fazer entender por que você ainda não voltou.
          Existe outra garota, ela tenta se parecer com você. Um dia eu a vi sentada encarando uma das tantas fotografias nossas sentada na sua poltrona de leitura. Ela usa o mesmo corte de cabelo e descobriu o nome do seu perfume. E ela tenta ficar tão bonita quanto você usando uma lingerie vermelha, mas ela não consegue. Ela não sorri como você. Não morde os lábios como você fazia quando estava nervosa. Ela não faz a sua cara de dor quando estava com cólica. Mas ela tenta. Ela tenta tanto que eu tenho pena. Por que num dia desses, depois de umas dúzias de garrafas de cerveja abertas, eu deixei escapar que eu amava você. E ela vem tentando, não ser como você, mas me fazer amá-la como eu a amo. Querê-la como eu a quero. Mas não existe nada seu que ela faça tão bem quanto você fazia.
          É provável que você já tenha encontrado outro cara que te dê exatamente aquilo que você me cobrou naqueles últimos meses. Estabilidade. Segurança. Presença. Você falava que a gente devia fazer nossos planos darem certo, mas eu só queria adiar tudo, colocar tudo pra debaixo do tapete pra limpar depois. Você dizia que um dia você iria encontrar um jeito de me riscar da sua vida, mas eu sempre achava que isso era papo de TPM e ignorava os sinais que você me dava. Só hoje consigo entender por que você não voltou pra nossa casa depois do feriado de 7 de setembro. Você foi pra casa da sua mãe e me ligou depois de ter chorado no colo dela. A sua voz estava meio baixa e, naquele dia, eu imaginei que fosse sono. Mas não era. A gente só consegue ver com clareza o que tem quando percebe que não o possui mais. Você não era mais palpável. Não tinha cheiro. Não tinha tato. Só tinha eu no meu buraco sem fundo tentando alcançar a borda pra poder me prender a você.
          Quando eu lembro dela tentando ser como você é que me dou conta de que já faz mais tempo do que eu imaginei. Seu número mudou. Você se formou. Seus pais mudaram de casa e seu irmão casou. A verdade é que eu sei que não adianta encher a geladeira de frutas e a despensa de barrinhas de cereal -50 quilo calorias, você não vai voltar. Não vai tocar a campainha ou se aproveitar da chave extra. E quando eu olho pra cama arrumada e para as fotos espalhadas sobre ela tenho mais uma constatação: a vida ficou uma merda desde que você se foi.