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domingo, 13 de outubro de 2013

Palavras e pesos


          Nunca tive o privilégio de palavra leves. Sempre fui fundo demais, sempre fui pesada demais. As palavras são facas disfarçadas de flores. Elas te cortam por dentro, despedaçam teu coração enquanto você sorri. Palavras pesadas formam nós na garganta, e você chora. Chora por que sabe que jamais vai ser capaz de esquecer o que um dia ouviu. Ninguém nunca me poupou de palavras pesadas. Cresci habituada a ouvir e receber as piores palavras possíveis. Elas me dilaceram até hoje, só basta que eu me lembre.
          Ninguém nunca vai entender, e eu mesma não entendo. Estou na beira de um abismo e tem um peso enorme me empurrando para baixo, para dentro. Não é a gravidade. São todas as palavras pesadas que eu carrego nas costas. Todo o peso de ser quem eu sou, todo o medo de não ser boa o suficiente. Há medos que rondam meu coração, há medo escorrendo pelo meu rosto. Estou transbordando por que não aguento mais todas as suas palavras, não há mais espaço dentro de mim.
          Eu morro todos os dias, e renasço por que, no fundo, eu nasci para aguentar todas as porradas e chutes e socos que a vida me dá. Isso é ser forte. É aguentar tudo, sem desistir de acordar mais um dia. Não é de propósito. Eu sou muito por natureza. Veja, não sei entrar em uma piscina pela borda, eu tenho que me atirar no meio dela, fazendo barulho e espalhando água pra todos os lados.
          Eu sou assim, pesada demais. Não é peso de corpo, é peso de alma. Isso é uma droga por que eu não consigo entrar em um relacionamento sem ir ao fundo, sem me jogar da beira de quem sou sem medo. Eu sempre quebro a cabeça, encontro o chão antes do que eu imaginava. Esse é maior mal de ser quem eu sou: não consigo ser de outro jeito. Eu sou muito, sempre fui, e sempre vou ser. Minhas dores sempre serão muito também. Infelizmente.

Eu estou sentada sozinha esperando por você, me desculpe por ser muito. Me desculpe.

Paradoxal

         *Ouça É o que me interessa de Lenine 

          O silêncio invadiu a minha casa. O mesmo silêncio da nossa última briga, o mesmo silêncio que me destrói quando você me olha com olhos de rancor mas não me diz nada. Teu silêncio, às vezes, me quebra. Me despedaça, me desmancha, me desmonta. Fala mais alto que teus gritos ensurdecedores. Golpeia meus tímpanos. Mas, tem dias que tudo que eu quero é teu silêncio. Assim calmo, morno, mas aconchegante.
          Teu silêncio desconcerta quem eu sou, mas é o único capaz de me devolver a paz. A paz que você mesmo me roubou. Você não entende, mas você é a minha dor de cabeça favorita. É só você que eu gosto de desvendar, de entender. De desmontar e montar outra vez o quebra-cabeças que é te amar. Eu erro uma peça ou outra, mas é assim que nós dois somos. Meio tortos, meio errados. Errados que só dão certos juntos. Um quebra-cabeças que sobra peças, por que nós somos muito juntos.
          Quando em uma roda em um bar qualquer alguém pergunta como eu vou, eu digo: eu vou bem, obrigada. Eu vou bem por que quando eu chegar em casa você vai estar deitado na nossa cama. Ou vai estar na sala de estar lendo algum livro que eu gosto e te dei de presente (mesmo que você não goste). Você me fez limpar meu coração pra poder te receber. Mas sem isso de jogar a poeira pra debaixo do tapete. Joguei tudo o que não me servia fora. Você é meu número, você me cabe direitinho. Não preciso de nada quando você está deitado no meu colo, mexendo em alguma coisa e eu assisto a um filme qualquer na TV de tela plana. Eu fiz uma faxina na minha casa, consertei umas coisas que estavam quebradas, e outras eu coloquei na porta pro carro do lixo levar. Meu coração agora é leve, meu coração agora é teu. 
         O teu silêncio me mata.
         O teu silêncio é minha paz.
         É um paradoxo, eu sei. Mas somos assim mesmo, um paradoxo.
         Um paradoxo com final feliz. Mas sem o final. 

Sobre eu amar você


*Ouça Tudo que você quiser de Luan Santana 
         
          Mais um texto. Tão clichê quanto qualquer outro. O relógio marca 00h39 de domingo. Hoje eu queria poder catar as estrelas do céu e dar-te de presente. Sem motivo, sem data especial. Só por mais um dia aguentando os meus surtos mentais, e meus pensamentos psicopatas. Você sabe, eu sou muito melhor agora que tenho você. Se eu pudesse, roubaria a beleza do pôr-do-sol e te daria em um dia daqueles que a chuva não deu trégua. Você me faz chover, por dentro, por fora, pelo direito, pelo avesso. Eu transbordo a borda de quem sou por que a doçura do teu sorriso é demais pro meu café. Você é doce, mas não me enjoo. Beijo tua boca como fera só pra ter o prazer de perder no mel que só teus lábios têm.
          Você roça sua barba meio rala no meu rosto, você inspira o meu perfume e respira no meu pescoço. Você é tudo e mais um pouco. Você é tudo o que me mantém presa ao chão. Minha vida está escrita nas linhas da tua mão, e meu corpo está cheio de sinais da tua presença. Você não é um sonho, é tão melhor que meu melhor sonho. O toque de tuas mãos é o melhor, é meu melhor pecado. Eu estou bêbada de você. O teu perfume invadiu a minha casa e o teu sorriso parece que ainda tá aqui grudado no meu. Eu esbarrei com você na entrada da cozinha, eu deitei do teu lado no sofá da sala de estar. Você não percebeu? Você sou eu, eu sou você. Metade minha grudou na metade sua, metade sua grudou na minha metade que sobrou. Nós transbordamos juntos. Nada sobra, nada se vai. Tudo fica, tudo é mais, tudo é muito. Por que tudo é você. Você foi a  minha melhor escolha.
          Conversamos um dia desses sobre quando descobrimos que estávamos apaixonados. Eu lembro bem. Lembro que depois de te ver nas férias, depois de ter te beijado no sofá da tua casa e assistido um filme que eu já esqueci o nome, depois de ter chegado em casa eu senti você invadindo meu íntimo. Eu só não sabia. Não sabia que depois disso eu iria transbordar amor, dor, ciúmes e raiva de todas as outras meninas que tentavam roubar a tua atenção que era minha. Eu me apaixonei por você na calada da noite, enquanto você passou a visitar-me em meus sonhos, me fazendo acordar sorrindo. Você não sabe quantas vezes teu sorriso invadiu a minha cabeça durante a madrugada. Um, dois, três segundos, minutos ou horas. Eu te amo. Cadê você, meu bem? Eu senti saudade. Eu me apaixonei por você.
          Pela leveza do teu toque.
          Pela segurança do teu abraço.
          Pelo teu hálito fresco.
          Pelo teu cabeço bagunçado.
          Pelas tuas mãos duas vezes maiores que as minhas.
          Pela delícia do teu beijo.
          Por tudo o que você consegue ser.
          Pelo teu lábio inferior mais carnudo que o superior.
          Pelos teus sinais do pescoço.
          Pelos teus olhos pequenos.
          Mas, me apaixonei, principalmente, pelo cara que me disse "você vai ser a minha próxima namorada" no meio de julho. E eu fui, eu sou. Eu te amo, e eu sou completamente apaixonada por você.


domingo, 6 de outubro de 2013

Peso pena


Nota pessoal: Eu pensei em recomendar uma música de Los Hermanos pra vocês, porém, eu ouvi tantas músicas deles na hora de escrever esse texto que seria injusto indicar somente uma. Portanto, fiquem a vontade para ouvir aquilo que quiserem (mas ainda assim indico alguma canção dos Hermanos). 

          A minha alma tinha o peso de um avião. De uma tonelada de concreto. Minha alma era pesada demais, e fazia minhas costas doerem que só. O peso da minha alma deixava meus olhos pesados e cansados. Meu corpo andava meio morto por não ser mais capaz de suportar meu próprio peso nas costas. No peito. Sabe o peso de uma saudade? De um choro que foi interrompido e engolido? Esse era o peso da minha alma. Eu sempre quis poder voar, mas nunca pude. A angústia de ser quem era me doía. O temor de me olhar no espelho e enxergar além dos meus olhos cor castanho-sem-graça era pesado demais. Me puxava para baixo, me afoguei tantas vezes que não sei como consegui voltar à tona.
          Você entende? Não sei como consegui mergulhar nesse rio escuro e gelado e ainda ter coragem de não me deixar afogar. Engoli água, lágrimas e dores. Engoli meu próprio medo de sobreviver ao meu naufrágio. Você estava lá, na beira do rio, esperando qualquer sinal do meu iminente afogamento, pronto para pular nas águas turvas e me resgatar do peso da minha própria alma. Você impediu que a água encharcasse meu pulmão, mas, principalmente, não deixou que meu próprio fantasma do passado matasse meu coração. O peso da minha alma era grande mas não conseguiu ser maior que o peso do teu amor.
          Você é, não sei, como uma brisa de verão que invade a minha casa. Você é quem me salvou e me livrou do meu próprio peso. Antes eu era concreto, hoje sou pena. Posso voar por ai, mas veja, eu adoro ficar descalça com os pés no chão quando você está ao meu lado. Não me afogo mais em minhas próprias dores, não engulo mais choro algum e só sinto minhas veias explodirem quando você sorri docemente para o meu coração. Teu amor não é pesado, tem exatamente o peso que a minha alma queria ter. 
          Você é a medida exata do meu atual peso. Leve demais para me fazer sentir dores, mas firme como rocha. Eu não sei, não sei mesmo, como é que vai ser quando você desistir de me salvar dos meus tropeços na beira do meu rio gelado e escuro. Eu sei é que eu só quero que você esteja aqui para tocar meus lábios com a mesma leveza e doçura do dia que você me achou quase no fundo daquele rio e me fez uma respiração boca a boca. Obrigada por ter exatamente o peso que eu posso carregar. Obrigada por me deixar sem pena. Obrigada por ser a minha pena. 

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Sobre ser só

          Leia ao som (maravilhoso) de Home - Michael Bublé

          Às vezes, quando chove, eu fico sentada em frente a janela do meu quarto só pra ver como as gotas caem bem no vidro embaçado. São muitas, mas todas são solitárias. Sobre ser só, eu sei. Assim como as gotas solitárias molham a minha janela, há lágrimas solitárias molhando rostos que eu desconheço nesse mundo de meu Deus. Lágrimas de saudade, mas, principalmente, lágrimas de solidão. Lágrimas de quem não sabe viver sozinho, de quem não aguenta sua própria companhia por uma hora sequer e busca incessantemente uma companhia na rua só pra não ter que ser só. Somos só, por natureza. E quase ninguém percebeu.

          Nascemos sozinhos, mas nos acostumamos tanto com a companhia materna que é difícil dormir sozinho quando a escuridão abraça nossos corpos. Será que dá tempo de correr pra cama da mamãe antes do próximo trovão? A verdade é que não dá. Não podemos fugir da solidão, porque ela, inevitavelmente, vive do nosso lado sendo nossa companhia sem que percebamos. Porque ela disfarça-se e entra pela brecha da nossa porta e dorme do nosso lado na cama. Não adianta fugir da sua solidão, ela mora exatamente onde você não quer que ela esteja: em seu próprio coração.

          Ser só não é ser triste, ficar só não é estar abandonado. Vez em quando, faz bem ficar só. Calar um pouco e ouvir algum som que antes passara despercebido. Ser só é estar pronto para aproveitar uma companhia quando ela tocar a campainha numa noite qualquer. Saber ser só é saber ouvir o outro, é saber lidar com medos que antes lhe faziam tremer o corpo. Nenhum medo é maior que o medo da solidão. Vivemos a vida sempre em busca de alguém que nos complete, que seja nossa metade para que nunca tenhamos que ser só. E não percebemos que temos é que ser inteiros, para que quando nossa melhor companhia chegar possamos transbordar juntos. Sem medos, e sem solidão.

          Hoje eu não tive nenhum abraço amigo, então eu mesma me abracei. Calei minha voz e pensei bastante sobre tudo. Sobre minha família e até sobre a bolsa de Nova York. Isso tudo porque eu aceitei a minha solidão nesta manhã de outubro. Porque eu não decidi visitar algum conhecido só para não ter que ficar só. Quem respeita sua solidão é quem sabe saborear a presença de alguém em sua vida. Porque sabemos que, às vezes, ser só dói mas o que dói mesmo é não sabemos lidar com isso. Nem tudo do que precisamos está com o outro, às vezes está dentro de nós e nem percebemos. Obrigada por ter vindo me visitar hoje, solidão.