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sábado, 17 de maio de 2014

Tempestade

         
*Ouça Storm, Lifehouse 

          Um engarrafamento insuportável parou a cidade inteira. A chuva piorou tudo. Sentei em um banco do lado da janela no ônibus e permaneci ali por mais de duas horas e meia. Fez frio e eu deixei o casaco em casa. Vi a chuva cair, arrastando terra e pedra, embaçando os vidros dos carros, e eu continuava ali, implorando mentalmente pra ela te lavar de mim. Vi a chuva escorrer pelo lado de fora da janela. Escrevi seu nome ali, naquele embaçado. Os pingos escorriam pelo vidro e parecia que o céu estava chorando comigo por você. Seu nome continuava ali, me encarando, enquanto eu chovia por você e o céu chorava por mim.
          Enquanto arrumava o apartamento, encontrei uma carta que você me escreveu bem no início. Sua letra meio torta e desengonçada me dizia o quanto você me amava. Achei uma caixa cheia de lembranças nossas. Achei também as fotos que eu iria usar pra te fazer uma surpresa. Achei até uma carta que eu escrevi e esqueci de te entregar. A chuva continua caindo, lavando as ruas da cidade e eu continuo aqui, me perguntando quando é que Deus vai te lavar de mim.
          Você ficou feito tatuagem. Feito marca de queimadura. De queda de bicicleta. Você ficou feito cicatriz. Ficou pra lembrar como dói gostar tanto assim de alguém. E que marcas ficam para sempre (dependendo exclusivamente do quanto dure o seu para sempre), mas o amor não. O amor se esvai. E cada carro que ultrapassa o meu ônibus me faz pensar em quão efêmeras as coisas são. E cada carro leva um traço da lembrança mais bonita que tenho de nós dois. Seu rosto perde cor, brilho e luz. Perde forma e nitidez. O vidro continua embaçado. E eu continuo sem saber o que fazer com as fotos e as cartas.
          Olho seu nome escrito no vidro embaçado e choro. Choro o que não chorei quando você decidiu partir sem mim. Viagem sem volta, você me avisou. Chorei ali, no meio de gente que eu nunca havia visto na vida, tremendo de frio e cansaço da tua ausência. Chorei baixinho por saber que sem mim cê vive bem. Até que ponto nós nos pertencíamos? Até que ponto éramos "nós"? O céu chora comigo esta noite. "Eu te amo, mas isso não é o suficiente." O amor nunca é o suficiente.
          Amor é elo, não corda. Não é o que te prende, é o que te faz ir sabendo que pode esticar ou forçar, não vai arrebentar. Amor é elástico. Amor é escolher ficar. É ter certeza que lá fora há outras bocas e outros gostos, e preferir estar aqui. Dentro do "nós". Amor não é o que te confunde, é o que te dá certezas. É ter porto para atracar a qualquer momento. É ter abrigo nos dias de tempestade, e companhia nos dias quentes. Amor é o que cola, restaura e cura. O que foi, não é amor. O agora é amor. O futuro pode ser amor. Mas não, o amor não é o suficiente. Não sempre. O amor é o suficiente para você?

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