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quarta-feira, 19 de março de 2014

Até qualquer dia

*Leia ao som de Cícero - Pelo interfone           
          
          Demorei alguns vários dias pensando em como eu começaria essa carta. Rabisquei algumas coisas enquanto estudava química mas me pareciam agressivas demais. Escrevi outras enquanto estudei português mas elas não me agradaram. Tu me conheces bem, e sabes da mania compulsiva de achar que tudo que eu faço é torto, feio ou pouco. Mas sabes também que eu sempre gostei de dedicar a ti as palavras mais bonitas e as frases mais harmônicas. Hoje eu (acho) estou pronta para te escrever.
          Start 
          Quando eu encontrei você, e você sorriu pra mim e me abraçou de um jeito gostoso e perfumado, lá por volta de junho, eu já sabia que iria me apaixonar por você. Não pela sua inegável beleza, nem pela sua inteligência, mas por eu ser eu. Por saber que teu sorriso bonito ia acabar envolvendo meu coração e me tirando pra dançar uma valsa agitada. Por saber que o cheiro que tu deixastes em mim naquele sábado se tornaria a minha melhor companhia. Por saber que você consertaria as partes da minha vida que estavam quebradas, despedaçadas e acharia - ou construiria - aquelas que tinham sido perdidas. Por saber que meu coração era novo e fraco demais pra suportar a intensidade do teu olhar. Eu poderia ter pulado do barco quando percebi essas coisas, mas eu achei que valeria a pena.
          Eu não fugi quando pude, e não posso mais fugir agora.
          Eu tenho certeza que não fugiria, pois o que vivi nesses meses foi o que me fez retomar a vida. Você encheu meu coração de alegria, e eu não tenho como deixar de agradecer-te por isso. As coisas mudaram muito desde que você chegou. Mudaram tanto que chego algumas vezes a desconhecer quem eu era antes de você. Teu amor me moldou. Ou melhor, meu amor por ti me moldou. 
          Desculpa, amor, eu acabei me perdendo enquanto lembrava de você. 
          Eu tinha certeza que era você, sabe? Que seria você. Sempre. Eu até me permiti sonhar, fazer planos pra uma vida a dois. Eu não tenho certeza de quando foi que a gente se perdeu. Não sei se foi eu que te perdi, ou você quem perdeu a mim. É difícil enxergar com clareza agora, espero que você me entenda. Memórias enchem minha cabeça, transbordam meu coração. Eu espero que você se lembre. Lembra daquele dia que nós deitamos juntos naquela sua colcha meio verde meio florida e cê me pediu em namoro? Lembra daquela vez que a gente sentou no sofá azul da minha casa pra comer brigadeiro e acabamos imundos e cheirando a chocolate? Lembra daquela noite que a gente deitou no tapete fofinho da sua sala e simplesmente esqueceu do mundo? Talvez, eu nunca seja capaz de esquecer desses dias.
          Talvez você chegue até aqui e se pergunte por que eu estou te escrevendo. Eu disse que me perdi, lembra? Eu não sei mais se comecei a me despedir ou pedir indiretamente pra você ficar. Então quero te pedir desculpas pela confusão. Eu não estou te pedindo pra ficar, pois, meu amor, você deveria saber, eu jamais interferiria em teu livre arbítrio de escolher com quem quer dividir a cama. Amar, para mim, é sobretudo, aceitar as decisões e repeitar o espaço do outro. Eu estou te desligando de mim. Deixo-te livre, a partir de hoje, pra dividir a cama com quem lhe convier. 
          Leia-me bem: sei que não tenho o direito de dar-te ou não permissão para fazer algo. Mais que isso, eu estou dizendo: eu (também) desisto (de você). Você desistiu de mim, e há um tempo eu escrevi para você algo como "Eu ainda estarei por você. Eu ainda estarei por nós." Eu não sei se você leu, mas eu queria dizer que eu aceito tua permissão pra me fazer desistir de você também. Pois eu não quero, e não mereço, um amor unilateral. Então sim, é uma carta de despedida.
          Só quem faz seu coração disparar e te faz querer dançar mesmo sem música, é capaz de roubar-lhe toda a paz quando decide ir embora. Eu procurei você, andei pelas ruas escuras e vazias esperando te encontrar encostado em alguma parede, procurando as palavras certas pra voltar até a minha casa e pedir desculpas e fazer daquele o nosso Dia do Fico. Eu esperei você. Arrumei-me na sexta, no sábado e no domingo. Fiquei menos arrumada durante a semana e as olheiras eram bem visíveis pois eu havia esquecido de passar maquiagem pra esconder. O tempo arrastou-se de forma dolorosa mas você não veio. Por que você não veio?
          Sabe os ingressos de cinema, os bilhetes, as conversas por papel e todos aqueles post-its que você deixou na minha vida? Sabe aqueles planos que a gente fez, os sonhos que sonhamos juntos, e todo aquele papo que "a gente vai casar, ter dois ou três filhos, um montão de cachorros, vai morar na Califórnia" e blá blá blá? Sabe todos os abraços, todo aquele perfume, todos os beijos e cheiros e todas as vezes que teu colo foi meu travesseiro e meu peito foi o teu? E todas aquelas juras, promessas e todas as vezes eu senti saudade de você? Sabe, eu não sei o que fazer com nada disso. 
          Já nem sei se você entendeu o que quis dizer, se entendeu o que eu pus nas entrelinhas, se não entendeu nada ou se simplesmente desistiu no segundo parágrafo. Desculpe pela confusão de sentimentos, eu só espero que você tenha entendido uma coisa... Fica bem. Até um dia.

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