Páginas

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Barba


          Hoje eu senti saudade de você. Assim, como quem sente um arrepio despretensioso na pele, daqueles que vem durante uma noite em que a temperatura caiu um pouco, sabe? Foi assim. Sentei numa cadeira do lado direito do ônibus, como de costume, ao lado da janela (eu adoro sentir o vento no rosto, você lembra disso?) e pus os fones de ouvido. Uns dois pontos depois subiu um moço que me lembrou você. Ele tinha a barba por fazer, meio torta e desregulada, assim como era - é, na verdade - a tua. 
          Você detestava quando eu falava que tua barba não era completa, e eu sempre ria da cara de marra que você fazia. Daí, por ironia do destino, ele sentou ao meu lado. E foi impossível não inspirar o cheiro gostoso que sua pele emanava. Ele era branco, tinha os dentes bonitos e os lábios dele tinham um contorno mais bonito que qualquer nuvem desenhada pelos dedos de Deus. Ele me lembrou você por que o sorriso dele se encontrou com o meu, como quando acontecia conosco durante a aula de matemática. E foi aí que eu senti saudade. Muita saudade.
          Deu saudade de poder brincar de morder teus dedos e teus lábios. Deu saudade de brigar com você por conta dos seus péssimos hábitos alimentares. Deu saudade de te fazer uma visita e ficar encostada no teu ombro até tarde da noite. Deu saudade de sentar no sofá da sala e esperar você chegar aqui com teu melhor perfume - o mesmo que eu senti no moço do ônibus. Deu saudade de ser tua, assim, de me sentir tua. Não sei se isso tem cura - essa saudade que bate repentinamente -, mas eu espero que não dure a noite inteira. Durante os cinquenta e cinco minutos que eu passei do lado daquele moço, de quem eu não sei o nome nem a idade, eu senti falta de tudo que eu sonhei ao teu lado. De cada pedacinho dos nossos dias juntos. Daí eu resolvi escrever pois eu não poderia deixar de contar e eternizar o dia em que eu achei alguém tão bonito (ou pelo menos quase) quanto você. 
          Eu sinto falta da tua barba. Dos pelos que crescem desordenados. Das cócegas que eles juntos faziam no meu pescoço desnudo. Do cheiro de homem com corpo de menino que você tem. Sinto falta dos beijos calmos, dos ferozes e dos urgentes. Dos desejos maiores que eles despertavam. Sinto falta da tua barba por fazer, apesar de amar quando você ficava sem barba e eu beijava teu rosto liso e macio. Mas sinto mais falta da tua barba; dos dias que não a vejo; dos dias (que ainda nem chegaram e já me doem) que eu continuarei sem vê-la. É, não é fácil sentir falta da tua barba, menino.
          O moço desceu no mesmo ponto que o meu, mas eu atravessei a rua e ele foi pro sul. Seu cheiro (o teu e o dele) se dispersou com o vento e a sua barba se perdeu entre as pessoas que eu deixei pra trás. Poderia terminar dizendo que eu sinto saudade de você, e que, de vez em quando, quase sufoco com essa saudade, mas não vou não. Termino, ao som de Paulinho Moska, dizendo que eu pensei em te esquecer e esquecer da tua barba bonita, mas só de pensar em esquecer eu já lembro muito e isso dói. Prefiro não pensar mais. Vai que um dia eu encontro o moço da barba bonita e do cheiro gostoso e ele senta ao meu lado de novo? Vou tentar não pensar (e torcer). Sinto falta da tua barba, moço. 

7 comentários:

  1. Sinto vontade de ter escrito isso. Você me entende? Queria engoli-las só para depois expeli-las pelos poros tal qual você o fez. Quanta delicadeza em cada coisa que você escreve, Lai. Quão bonita é a alma que você tem. A maneira como você conduz a narrativa me prende de um jeito ímpar. Eu nunca canso de ler você. Você me inspira, digo pela milésima vez hoje.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. E será que você imagina o quão feliz e emocionada teu comentário me deixou? Amo a tua escrita e me sinto imensamente feliz por ter você lendo o que escrevo. E se for pra falar de beleza de alma, estamos no mesmo patamar, então, minha doce Sara.

      Excluir
  2. Um dos teus textos mais bonitos e sinceros (e olha que eu leio tua sinceridade e teu amor em todos os textos que você escreve). Parabéns por ser linda desse jeito, Laisse. Um abraço. -m

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. E eu agradeço a você, anônimo. Obrigada por me ler, e pelo elogio. Volte sempre, sejas tu quem for <3

      Excluir
  3. Você é tão especial e tão amada, mas não sabe disso. Eu gosto de como você escreve, só não gosto se ver você assim. Sabe quantas pessoas são iguais a você? Nenhuma. Essa tua saudade te impede de viver quem tu és por dentro. Tu és linda e uma menina fantástica, única! O cara barbudo não merece ter textos publicados a respeito dele. O cara barbudo não merece mais fazer parte da tua vida, muito menos ocupar teus pensamentos. Eu já vivi isso e me fiz refém da minha própria história e ainda hoje luto contra isso. Mas sabe o que eu aprendi? O problema não é meu. Não deve ser meu. O que deve ser meu é o amor. Eu amo quem eu sou. E o problema? Ah! O problema com certeza é de quem me deixou. Como leitor(a), espero que o próximo texto mostre o alguém que você já foi, ou que vai tornar a ser. A palavra de ordem na sua vida hoje deve MUDANÇA.
    Sucesso para o blog! Abraço!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Não sei quais palavras uso para te responder, querido(a) leitor(a). Em primeiro lugar te agradeço pelos elogios explícitos e implícitos que tu me fizeste nesse comentário. Te agradeço ainda por me ler, e por mais que isso, me entender como escritora. Por ler as palavras que estão nas entrelinhas. Poucas pessoas conseguem isso. Te agradeço ainda pela doçura desse teu comentário, que com certeza foi melhor que qualquer ovo de páscoa que eu poderia receber nesta páscoa. O moço barbudo de fato não merece meus textos. Mas não é só por ele que escrevo. É por mim, para que eu mesma não sufoque. E sobre a mudança: eu concordo plenamente. Sobre você ainda ter marcas nesse quesito: eu te desejo muito, muito amor. Não sei quem tu és e nem qual tua história, mas só por ler o que você me escreveu, cê ja ganhou um espaço no meu coração. Obrigada mais uma vez. Um beijo doce e grande, e volte sempre!

      Excluir
  4. Deve ser mudança. (Corrigindo)

    ResponderExcluir