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domingo, 24 de maio de 2015

Carta à Ana, n° 2


          Ana, hoje é um daqueles dias que eu não dou conta de sentir tudo o que sinto e desabo sobre o travesseiro, embaixo do chuveiro, na frente da minha mãe, escondida do jardim de inverno, ou em qualquer outro lugar que possa abarcar o amor que transborda meu peito. Hoje é domingo, Ana, e eu sei que não deveria te escrever a menos que houvesse uma emergência. Mas há, Ana. Tenho urgência do amor dele, e os letreiros neon da cidade denunciam que meu amor tá agonizando numa calçada qualquer. Ele agoniza, finge que vai morrer, e ressuscita, Ana. Estrebucha mas não morre.
          Você deve estar se perguntando o que diabos tem a ver com isso, mas é que é mais fácil escrever uma carta pra te contar do meu amor que escrever uma pra ele. O nome dele não vai pro remetente, se perde no meio de tantas outras, acaba extraviada. Não era pro meu amor se extraviar, Ana, mas é tudo o que tem acontecido com ele. Mas se você me perguntar se eu nunca escrevi nada e mostrei pra ele, aí eu te digo que sim. Já escrevi um monte de coisa sem sentido e entreguei. Acho que ele não guardou nenhuma, Ana. Devem ter virado um daqueles papéis que a gente deixa do lado da mesinha do telefone pra eventualmente anotar um recado, um número, ou usar os espaços em branco pra fazer a lista do supermercado. Ana, me desculpa, só poderia escrever pra você.
          O amor é um inferno, você entende? Porque a gente passa a se preocupar com uns detalhes tão mínimos, tão ínfimos, que nem percebe que chega a ser ridículo. De longe o amor é bonito, Ana, mas de perto parece que um furacão passa diariamente por nós e bagunça tudo, tira a ordem das coisas, e a gente perde aos poucos a inocência porque passa a ver que o amor é bem mais do que mostram os filmes, e é bem mais difícil lidar com ele e mantê-lo viver sem precisar ficar agonizando a cada duas horas como esse meu. Mas o amor é isso, Ana, essa coisa nem tão bonita que faz a gente querer viver pra sempre pra poder dar conta de viver tudo de bom que ele traz.
          Quando ele chega, derruba as barreiras que eu construí pra tentar me manter a salvo dos furacões, terremotos e das tempestades que ele traz consigo. Mas, Ana, é que quando ele chega, varre pra baixo do tapete todas as minhas teorias elaboradas sobre como ir embora. Sobre como fugir dele e disso que a gente têm, antes que seja tarde, antes que seja amor. Mas já é, Ana. E eu nem sei se ainda dá pra escapar disso.
          Quando a risada dele ecoa pela casa, ecoa em mim também. Perfura os tímpanos, ultrapassa a pele, e passa a correr na minha circulação sanguínea. Ele é mais parte de mim do que deveria, talvez merecia. Ele faz retumbar no meu peito uma escola de samba inteira quando ele ri, porque é quando ele ri que eu percebo que mesmo que ainda houvesse tempo, que houvesse um gênio da lâmpada e me concedesse qualquer pedido, que houvesse máquina do tempo pra me fazer voltar e escolher diferente, eu não conseguiria ir embora dele. Porque se Capitu tinha olhos de ressaca, o corpo dele inteiro tinha a capacidade de me prender, me laçar, me arrebatar pra si. Ana, o amor é um inferno de tão bom.

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